Mudanças na lei dos agrotóxicos põem em risco saúde e ambiente

Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou, por 18 votos a nove, o PL 6.299/2002, também conhecido como “PL do Veneno”. A proposta está pronta para ser votada em Plenário e, na prática, representa uma flexibilização perigosa das regras de controle dos agrotóxicos no Brasil. Os defensores do projeto apontam a suposta necessidade de modernizar a legislação brasileira, que estaria “atrasada” em relação ao cenário internacional. Mas será que é adequado copiar leis estrangeiras sem levar em conta as diferentes características dos países?

A funesta realidade brasileira foi desconsiderada pela Comissão Especial ao aprovar o PL 6299/2002. Como importar e utilizar técnicas de avaliação de risco de uso de agrotóxicos de “primeiro mundo” com uma estrutura de “terceiro mundo”? Como permitir a liberação de agrotóxicos carcinogênicos (que causam câncer), mutagênicos (que causam mutação genética) e teratogênicos (que causam má-formação fetal) sem que tenhamos a devida infraestrutura para monitorar os riscos envolvidos?

Um exemplo ilustra o problema: o monitoramento da atrazina na América do Norte. O agrotóxico, banido da Europa em 2004, é um herbicida usado nas culturas de cana-de-açúcar, milho e sorgo. O produto possui elevada persistência em solos e alto potencial de escoamento superficial, motivo pelo qual é o principal agrotóxico encontrado em água para consumo humano nos EUA e Canadá. Estudos relacionam a atrazina à mudança de sexo em sapos e danos ao meio ambiente aquático. A exposição crônica estaria associada à perda de peso, degeneração muscular e danos cardiovasculares.

Nos EUA e Canadá, programas específicos monitoram os resíduos de atrazina na água. Nos Estados Unidos, cerca de 150 municípios são monitorados de forma intensiva. Durante os picos de utilização, a coleta de água é feita semanalmente. Nos demais períodos, a coleta é quinzenal. Nos demais municípios do país, a coleta é trimestral.

E no Brasil? O último relatório disponível do Ministério da Saúde sobre monitoramento de agrotóxicos em água para consumo humano é de 2014. O relatório tem dados de apenas 13% dos municípios brasileiros. Em outros termos, 87% dos municípios brasileiros não têm sua água monitorada para resíduos de agrotóxicos.

Segundo as “Orientações técnicas para monitoramento de agrotóxicos para consumo humano” do Ministério da Saúde, a frequência das amostras deveria observar “a periodicidade de uso de agrotóxicos e a sazonalidade das culturas (período de chuvas ou início da seca)”. No entanto, não há dados disponíveis sobre a periodicidade mínima ou dos municípios prioritários. E o mais importante: todas as amostras deveriam ser remetidas para um único laboratório, o Laboratório da Secção de Meio Ambiente do Instituto Evandro Chagas (IEC).

No ano de 2018, o laboratório do IEC, em resposta a questionamento sobre a capacidade de análise, respondeu que não dispunha de todos os padrões necessários para realizar os exames relacionados aos 27 princípios ativos de agrotóxicos necessários para cumprimento das exigências do Ministério da Saúde.

Diante desse quadro, a pergunta retorna: com esta estrutura, como evitar que agrotóxicos carcinogênicos, mutagênicos e teratogênicos possam estar presentes na sua água? O risco de que substâncias altamente prejudiciais à saúde e ao meio ambiente contaminem solos e mananciais é real, caso o PL 6.299/02 seja aprovado da forma como está.

Nunca é demais lembrar: agrotóxico sem controle, monitoramento e fiscalização adequados é veneno.

Marco Antonio Delfino é procurador da República, coordenador do Grupo de Trabalho Agrotóxicos e Transgênicos do Ministério Público Federal.

Fonte: Marco Antonio Delfino – El País.